sábado, 15 de março de 2014

Sobre o que é Amizade?






CARTA A QUEM SE QUER

Nº33

O que é a amizade, senão, um amor desinteressado?

E
m verdade só acredito na reflexão sobre o que é essencial à vida prática do homem. A filosofia sobre o banal me parece uma filosofia menor. E o que pode ser mais essencial à vida humana que a amizade?  Portanto, é sobre esse sentimento de aproximação natural entre os homens que devo dedicar esta reflexão.

A amizade é para mim, o que há de mais essencial à nossa vida com o outro, ainda que seja tão banalizada por nós. Há muito me pergunto; e a amizade, o que é?

Antes, devo dizer que para tudo que dedico minhas reflexões, primeiro ou em paralelo, vivo! 1

A amizade é o mais puro dos sentimentos e por isso mesmo, o mais verdadeiro entre todos. Digo isso porque a amizade não precisa de regras, não requer do amigo que ele esteja presente, ela não reivindica um lugar especial na relação, não quer se mostrar, não é protagonista, ela é, simplesmente.

A paixão, o amor, a solidariedade e muitos outros sentimentos de aproximação precisam anunciar-se, estabelecer uma prioridade para a relação, a amizade não. Por isso, ela é mais próxima ao natural. E o que é mais próximo da verdade senão o que é mais natural? Por conseguinte, o natural é também o mais próximo ao essencial. Em outros termos; a verdade está na essência e esta, está na natureza das coisas ou no que é natural.

A amizade é a relação mais natural entre os homens, por isso, ela é a mais, inata, logo: o mais verdadeiro entre todos os sentimentos humanos de aproximação.

É fácil perceber isso. A amizade não traz em sua composição o peso da possessividade típico da paixão, ela é livre. Também não exige a reciprocidade na justa medida, isso é típico do amor, também não estabelece benevolências, caridades, nenhuma forma de distinção; entre superior e inferior, poder e submissão entre as partes, isso é típico da solidariedade. Enfim, a amizade é pura e natural. 

Mas, o que é a amizade afinal? Só posso dizer caracterizando suas diferenças em relação aos demais modos e meios de relacionamento humano.

A amizade é uma dedicação, e por isso, ela é uma inclinação do nosso ser em direção ao ser do outro. A amizade é um pôr-se pronto a atender as necessidades do amigo, antes de julgá-las necessárias. È um estar sempre disposto à, com e para o amigo.

A amizade pressupõe uma dedicação prévia de si, àquele a quem se tem amizade. Não há na amizade a intenção de troca, a necessidade do outro vem em primeiro lugar. É um dedicar-se previamente ao outro a partir das necessidades dele. Não é um desejo, é um desapego; não é uma troca, é uma disposição; não é uma doação, é uma atenção; não é uma benevolência, é uma dedicação. Por tudo, a amizade é a mensageira da justiça e a guardiã da verdade nas relações entre os homens.

Muito se enganam aqueles que pensam que ser amigo é dizer e ouvir o que se quer, não! Amigo não é aquele que diz o que queremos ouvir, mas o que precisamos ouvir. Também não é aquele que faz o que queremos que se faça, mas o que precisamos que seja feito. Do mesmo modo, amigo não é aquele que está conosco quando queremos, mas aquele que nos acompanha quando precisamos. Amigo não é aquele que nos procura quando estamos sós, mas aquele que nunca nos deixa  sentirmo-nos sós. - Ainda que esteja ausente.

A atitude de amizade não é uma atitude de concordância com o que pensamos com medo do conflito, ao contrário, atitude de amizade, é aceitar o conflito para evitar discordar de nossas ações. Também não é omitir a verdade para não nos magoar, ao contrário, é ser verdadeiro para não nos decepcionar.

Enfim, a amizade é o mais verdadeiro sentimento de aproximação e convívio entre os homens. Pode haver na relação humana afeição sem amizade, solidariedade sem amizade, benevolência sem amizade, até amor sem amizade, mas em nenhuma hipótese haverá amizade sem todos estes elementos. Por isso, enquanto todos os sentimentos de aproximação e convívio entre os homens são um todo só em si mesmos, a amizade é um todo com todos, ou seja, ela é amizade porque ela é todos os outros tipos de sentimentos nela mesma. - Advirto que não se trata de uma somatória de todos os tipos de sentimentos de aproximação humana, muito menos de um conjunto deles. A amizade é um sentimento próprio, único, distinto. Contudo perpassa e trás em si, todos os outros, transcendendo a todos em direção ao que há de mais essencial, natural e verdadeiro na relação entre os homens.

A amizade é quando nos sentimos impotentes e fracos diante do mundo, da vida,  de nós mesmos, e quando buscamos alguma alternativa e encontramos alguém que tem por nós um sentimento que nos faz renovar nossas forças e nos enche novamente de potência e nos põe novamente de pé.

A amizade é um sentimento de atitude que nos confere a segurança de não estarmos sós no mundo. Por isso, ela não é um estado, não é um “estar” é mais que isso, é um “ser”, ser-disposto-ao-outro.

O amigo é este que nos ampara sempre, e o que lhe move na direção do outro com a disposição do seu ser, para ampará-lo, é este sentimento fundado no puro bem, no cuidado, com esse outro. É esse sentimento que ocupa o mais alto grau na escala das virtudes humanas, só alcançado pelos sábios, que chamo amizade.              
 1 Freqüentemente sou por muitos,tido como teórico, sonhador, por vezes acusado de viver na ilusão. Aqueles que assim me julgam, digo que muito se enganam, pois, não observam de onde vem o que penso e digo. Não é de outro lugar senão do que vivo e pratico. O que lhes parece teoria ou ilusão, é na verdade a descrição quase perfeita de minhas  experiências  práticas  de vida.

Westerley Abril, de 2007