terça-feira, 10 de março de 2015

DAS DESVANTAGENS DO LIVRO DIDÁTICO PARA O ENSINO DE FILOSOFIA:


 
DAS DESVANTAGENS DO LIVRO DIDÁTICO PARA O ENSINO DE FILOSOFIA:

a atualidade do pensamento de Nietzsche

Nos escritos de juventude, como a II Consideração intempestiva – Da utilidade e desvantagem da história para a vida; III Consideração intempestiva – Schopenhauer educador e Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino, estão presentes as críticas de Nietzsche à educação de seu tempo.
Nesses escritos, o filósofo mostra-se preocupado com a cultura de sua época, com a supervalorização da história, com a formação para o mercado de trabalho, a cultura jornalística, etc. Esses e outros fatores, segundo Nietzsche, fizeram com que a cultura não agisse em favor da vida, que o conhecimento se tornasse apenas algo no interior de quem o possui, sem ação prática.
Essa preocupação com a cultura moderna, ou com a falta dela, fez com que Nietzsche pensasse a formação de sua época, e, consequentemente, a educação de seu tempo. As críticas de Nietzsche à superficialidade educacional de seu tempo, já estão preconizadas na obra Sobre a filosofia universitária, de seu “mestre” Schopenhauer. Nesta, duras críticas são feitas ao ensino estatal de filosofia: “pode ser uma coisa muito útil, desde que sirva para adequar melhor os estudantes aos fins do Estado, como também firmar na fé o público leitor; mas vender isto por filosofia é o mesmo que vender uma coisa por aquilo que ela não é” (2001, p. 86).

-Na esteira do pensamento schopenhaueriano, Nietzsche se ocupa em tecer críticas aos estabelecimentos de ensino de seu tempo, alertando para o fato de que estes não podem formar indivíduos para a verdadeira cultura, para o pensamento. Isto porque, essas instituições estão a serviço de alguns interesses, como os comerciais, estatais, ou os de uma falsa bela forma. Servindo a esses interesses, a educação passa a ter um caráter utilitário, de formação para o mercado de trabalho, para a obediência ou para a formação rápida de pseudo-cultos, os eruditos, uma geração que Schopenhauer define como “completamente paralisada no espírito, tornada incapaz para todo o pensar” (2001,p. 58),
Pensando em nosso tempo, em nossas atuais condições de ensino, se temos como objetivo potencializar o ensino contra a mera formação utilitária para o mercado de trabalho ou para a obediência se queremos um ensino para o pensamento e para a cultura, mesmo dentro de instituições escolares atreladas aos interesses do Estado, se a sala de aula pode ser um lugar de exercício da resistência e da liberdade, apesar dos sistemas de controle que estão sempre à espreita, devemos pensar em como fazer para que nossas aulas de filosofia se comprometam com a criação de novas formas de vida, com o exercício criativo do pensamento e com a formação cultural dos estudantes.
Se, para Nietzsche, o ginásio, ou o nosso ensino médio, deve ter como principal objetivo o ensino da língua materna, o aprender a ler e escrever artisticamente, em contraposição à escrita técnica dos especialistas e jornalistas, acreditamos que o ensino de filosofia tem um papel fundamental nessa empreitada. Este seria um espaço em potencial para a leitura dos clássicos linha por linha, o que faz com que problematizemos a adoção de livros didáticos na aula de filosofia, esses materiais que “facilitam” o acesso dos estudantes aos clássicos.
Partindo da ideia nietzschiana de exame rigoroso dos clássicos e de “tratar o vivo como vivo”, acreditamos ser um tanto quanto problemática a adoção dos livros didáticos como textos centrais nas aulas de filosofia. Os livros didáticos de filosofia, em geral, apresentam de forma enciclopédica o pensamento dos filósofos, de uma maneira rápida, que Nietzsche chamaria de jornalística. Nos livros didáticos não estão presentes o pensamento do filósofo, mas interpretações simplificadoras com vistas a ser absorvido de forma rápida pelo estudante, para que ele possa se munir do conhecimento necessário que o habilite a ter acesso ao mercado de trabalho. Assim, o livro didático se assemelha à forma em que Nietzsche via o jornal em seu tempo, como algo que “substitui a cultura” (2007, p. 65), que toma o lugar do gênio para passar informações rápidas e momentâneas.
Em um livro didático não está presente o pensamento do filósofo, o porquê de este filosofar, as suas inquietações, as suas angústias, mas uma redução deste pensamento apresentado apenas em forma de resultados. Desse modo, o saber se torna apenas mais um conhecimento a ser interiorizado e reproduzido pelo estudante. Não há aí um movimento do pensamento, um filosofar.
Em suma, o que pretendemos com o ensino de filosofia está muito próximo do que propõem Gallo e Kohan (2000, p. 195): “que todo jovem, ao ter contato com a filosofia, possa desenvolver experiências de pensamento, aprendendo a reconhecer e a produzir, em seu nível, conceitos, a fazer a experiência da crítica e da realidade sobre a sua própria vida, a desenvolver uma atitude dialógica frente ao outro e ao mundo e, fundamentalmente, possa aprender uma atitude interrogativa frente ao mundo e a si mesmo”.

Autores:
Eduardo Ferraz FRANCO, Carmelita Brito de Freitas FELÍCIO
Faculdade de Filosofia - Universidade Federal de Goias
eferrazfranco@hotmail.com; carmelaf@terra.com. br
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Notas:
Nos escritos de juventude, como a II Consideração intempestiva – Da utilidade e desvantagem da história para a vida; III Consideração intempestiva – Schopenhauer educador e Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino, estão presentes as críticas de Nietzsche à educação de seu tempo.
Referências bibliográficas
GALLO, Silvio; KOHAN, Walter Omar. Crítica de alguns lugares-comuns ao se
pensar a filosofia no ensino médio. In: GALLO, S; KOHAN, W.O. (Orgs.). Filosofia
no ensino médio. Petrópolis: Vozes, 2000.
NIETZSCHE, Friedrich. Escritos sobre educação. Rio de Janeiro: Edições Loyola,
2007;
________. Segunda consideração intempestiva: da utilidade e desvantagem da
história para a vida. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.
SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre a filosofia universitária. São Paulo: Martins Fontes,
2001.
Fonte de financiamento: CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior / Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID