segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Uma Leitura Crítica Sobre O Instrumento Prova Para O Ensino De Filosofia. (parte II)

Uma Leitura Crítica Sobre O Instrumento Prova Para O Ensino De Filosofia. (parte II)

Westerley A.Santos- Prof. Filósofo. Ago/2003



No caso da Filosofia e talvez das Artes e a Educação Física, por mais que não se admita, ao se utilizar a Prova como elemento de avaliação do aprendizado, acaba-se avaliando não o aprendizado mesmo, mas sim o próprio objeto prova. Isso porque, não são considerados, nesse tipo de avaliação, aspectos mais humanos da formação do sujeito, da pessoa do aluno, que são objetivos naturais do ensino da Filosofia e de outras disciplinas como as citadas. Por exemplo: na prova (tradicional) não se avalia ou considera o momento psicológico em que o aluno se encontra; sua situação emocional, conflitos e problemas vividos, condições de saúde, condições econômicas, alimentares, para realizar a prova.   São elementos que interferem diretamente no resultado deste tipo de avaliação e que muitas vezes, demonstram não uma deficiência do conhecimento do aluno, mas sim, uma dificuldade nas condições deste para realizar a prova.

Há estudos de que 20% dos nossos alunos, possivelmente sofrem de Dislexia  que é causa ainda ignorada de evasão escolar em nosso país. E uma das causas do chamado "analfabetismo funcional" que, por permanecer envolta no desconhecimento, na desinformação ou na informação imprecisa, não é considerada como desencadeante de insucessos no aprendizado. O mesmo ocorre com a Discalculia. Assim, a avaliação pelo instrumento prova não consegue detectar situações como estas, pois, não atinge a avaliação da aprendizagem mais profunda, e não completa o sentido diagnóstico que deveria atender nestes casos.

Outro aspecto é o da relação ensino-aprendizagem. Na prova como instrumento tradicional, não há espaço ou pelo menos a prática da crítica do aluno e nem para a autocrítica do Professor. Isso porque, nesse método na prática, não há troca. Não é uma relação direta, professor/aluno. Trata-se de uma relação indireta, unilateral, mediada pelo instrumento. Portanto, aspectos importantes e fundamentais para os sujeitos do processo de ensino/aprendizagem são desconsiderados na avaliação pela Prova. Usualmente as provas são de múltipla escolha ou de relação de ideias semelhantes ou contrárias, não havendo um retorno descrito, analisado, argumentado, debatido com o aluno. Na verdade, há na prática, uma confusão sobre o que é  avaliação. O que se prática mesmo, são testes, e testes não são avaliações; são elementos de classificações ou seleção.

Esse fato torna esse tipo de “avaliação” injusto e irrelevante, pois há neste instrumento um vício de origem, chegando até a se tornar um instrumento de opressão, pois, não avalia de fato o conhecimento do aluno, quando muito, avalia sua memória. Ao mesmo tempo em que é para o Professor, um atestado assinado pelo aluno de que ele é o único responsável pelo nível de sua aprendizagem ou falta dela, já que a prova é uma posição unilateral.

O professor, muitas vezes se escuda por trás das questões dadas na prova, deixando toda a responsabilidade do aprendizado na resposta dada pelo aluno, já que não há discussão, debate, interação sobre o processo avaliativo, neste tipo de instrumento; no lugar disso, há um gabarito para correção de respostas irrefletidas e estáticas para fins de nota. A relação é técnica-instrumental e bancária.

A Filosofia retornou ao ensino médio justamente para fazer o contraponto à lógica do ensino puramente técnico-instrumental e bancário, conscientemente ou não, é de sua natureza a crítica deste sistema que visa somente os fins, no caso a nota, quando deveria se ater aos meios, ao processo de aprendizagem.

É princípio pedagógico da Filosofia a construção conjunta do saber, na relação direta entre sujeitos, no debate com o aluno, uma prática intersubjetiva entre ensino e aprendizagem, inclusive no momento e no modo de avaliação. A Filosofia não detém o conhecimento, e por isso, ela não pode aferi-lo em provas e instrumentos técnicos, ela é busca do saber e deve construí-lo em conjunto com o aluno. Logo: ela não avalia quantidades, técnicas, respostas prontas, procedimentos e fórmulas, “V” ou “F”, ela avalia, com outros métodos; lógicos, analíticos, conceituais, argumentativos, problematizadores que orientam os juízos de valor, faz a reflexão crítica, radical e de conjunto sobre a realidade. O que não se verifica por Provas tradicionais.

O aprendizado filosófico se auto-avalia no mesmo instante em que acontece. O papel do professor é orientar o aluno quanto ao perigo dos juízos que geram preconceitos, discriminação, racismo, alienação, violência, sustenta a ideologia que esconde as desigualdades, alimentam o ceticismo ou o dogmatismo, entre outras.

Por fim, a Filosofia pretende o desenvolvimento da autonomia intelectual do aluno, da formação do ser ético; consciente de si, do outro, do mundo e do transcendente para que esse Ser tome uma posição diante da realidade do mundo em que vive. E para isso, não há instrumentos estáticos e técnicos que avaliem, há sim, caminhos que podem ou não levar ao despertar da consciência. E, é nesse sentido que o ensino da Filosofia deve caminhar, caso queira ser verdadeiro.

Ainda assim, alguns dizem que a nossa sociedade e sistema educacional exigem provas e avaliações. Há vestibulares, concursos, e os alunos devem se preparar para essa realidade. Eu digo que as provas não preparam ninguém para estes fins, ainda que tentem, pois, não é a prova em si, que faz o aluno passar em um vestibular ou concurso, é sim, o conhecimento, o discernimento, o raciocínio analítico, dialético, lógico a capacidade argumentativa, de leitura, interpretação e escrita, a capacidade de discernir, comparar, julgar e concluir de modo crítico o conteúdo. É o seu desenvolvimento cognitivo que lhe dá as condições necessárias para enfrentar as diversas realidades humanas e sociais, justamente o que a Filosofia, mas não só ela,  busca desenvolver, e que instrumentos como a Prova não fazem, e ainda escondem a realidade do conhecimento do
 aluno atrás de um modelo de memorização.

 Se a prova fosse exercício para fins de concursos como vestibulares, todos os alunos passariam, pois estes fazem prova desde o primeiro dia de sua vida escolar.

Outros ainda poderiam pensar: mas então como avaliar sem prova?  Eu digo que há inúmeros métodos de avaliação melhores e mais significativos que a Prova, como, por exemplo: O debate em sala, em que o aluno expressa seu pensamento e entendimento do conteúdo estudado, a leitura interpretativa e associação entre textos como (filmes, jornais, revistas especializadas) em que o aluno desenvolve o poder de crítica e conseqüente absorção do conteúdo, há pesquisas e apresentações sobre estudos de casos, discussão da matéria a partir de notícias, de TV, de Teses,  teorias de pensadores e cientistas da área afim, entrevistas, questionário, discussão em grupo, resenhas, relatórios, apresentação de trabalhos, seminários e uma infinidade de processos avaliativos melhores e mais adequados e interessantes que a Prova tradicional.

Na área das Ciências, por exemplo, pode-se fazer o mesmo, a partir da História de cada Ciência como a História da Matemática que é belíssima. A avaliação do conhecimento nas Ciências exige meios mais práticos e experimentais e não de perguntas e respostas. Este deveria ser apenas o momento das anotações e relatórios do aprendizado para discussão e checagem e não a avaliação final do conhecimento. Ocorre que todos os outros métodos são mais trabalhosos que a Prova e exigem mais tempo de preparação, estudo e pesquisa por parte do Professor.

Por fim, todos estes exemplos, põem o aluno e o Professor, juntos, diante do problema do conhecimento. E é aí que se dá a troca. Aí sim, o conhecimento adquirido, a evolução, dificuldades, problemas e soluções aparecem em uma relação de troca constante. São vários os modos de avaliação, cada qual deve ser adequada ao propósito da disciplina, não compreender essa adequação ou tentar padronizar um método apenas. Pode como ocorre, corromper o ensino e aprendizagem.

E aos que pensam que outros métodos não se aplicam à sua disciplina digo que,  se não for possível avaliar o aprendizado de uma disciplina pelo método direto entre professor /aluno, também não é possível ensinar tal disciplina.

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1) Dislexia é uma específica dificuldade de aprendizado da Linguagem: em Leitura, Soletração, Escrita, em Linguagem Expressiva ou Receptiva, em Razão e Cálculo Matemáticos, como na Linguagem Corporal e Social. Não tem como causa falta de interesse, de motivação, de esforço ou de vontade, como nada tem a ver com acuidade visual ou auditiva como causa primária. Dificuldades no aprendizado da leitura, em diferentes graus, é característica evidenciada em cerca de 80% dos disléxicos. Veja também Disgrafia e Discalculia. ( Dislexia; você sabe o que é? – Zeneida Bittencourt)
                                                                          

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