sexta-feira, 18 de abril de 2014

O CÉREBRO E A INTERNET


LIVRO SOBRE O  ASSUNTO DOS TEXTOS ABAIXO:


"Nesta obra, Nicholas Carr  afirma que as pessoas estão ficando mais burras, e que a culpa é da internet. Segundo ele, as pessoas têm acesso quase ilimitado à informações na grande rede, mas perdem a capacidade de focar em apenas um assunto. A mente do internauta está caótica, poluída, impaciente e sem rumo, e Carr faz um manifesto destacando a importância da calma e do foco”.

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Filosofia da Mente               
                                O cérebro e a internet
                                                            por João Teixeira

IMAGEM: SHUTTERSTOCK



Todas as vezes que me sento diante do computador para escrever uma coluna, duas ou três mensagens aparecem em uma pequena janela que se abre no canto inferior direito da tela do computador. Na maioria das vezes, são mensagens inúteis que conseguiram furar o filtro de spams. No entanto, nunca consigo deixar de olhá-las, pelo menos de relance.

A internet vicia. Praticamente todo internauta abre sua caixa postal pelo menos duas vezes por dia e, quando não há mensagens novas, fica decepcionado. Outros, não resistem aos encantos efêmeros das redes sociais e gostam de postar fotos, comentários, mensagens e ficam aguardando para saber quantas “curtidas” eles recebem. O Facebook, entreteni mento gratuito para todas as idades, colocou todos diante de um espelho, um teatro virtual no qual, como diz Caetano Veloso, “narciso acha feio o que não é espelho”.

A internet roubou a nossa atenção, um patrimônio psíquico importante e limitado. Nossa atenção praticamente sucumbiu à cultura da interrupção fomentada pela computação ubíqua, que se tornou cada vez mais popular com o uso de smartphones e outros tipos de celulares conectados à internet. Raramente uma conversa não é interrompida pelo sinal de chegada de uma mensagem, e tirar o celular do bolso para saber o que foi enviado já deixou de ser falta de educação e se tornou um hábito inteiramente aceito. Receber e responder mensagens é uma prioridade indiscutível.

Nos últimos anos, médicos, psicólogos e cientistas cognitivos alertaram para os perigos dessa adição digital. Uma das maiores neurocientistas contemporâneas, a inglesa Susan Greenfield, advertiu, em uma entrevista que fez a uma revista médica brasileira, sobre os danos que o vício da internet pode causar. Jovens que navegam demais nas redes apresentam mudanças cerebrais semelhantes àquelas verificadas em compulsivos por jogos de azar.

Greenfield não foi a única a espalhar esse alerta. Outros pesquisadores como, por exemplo, Nicholas Carr, autor do livro A geração superficial (2011), afirma que o uso constante da internet por crianças pode ser uma das causas do transtorno de déficit de atenção. Rodney Brooks, professor no MIT e um dos maiores roboticistas da atualidade, também defende esse ponto de vista.

Por que a internet vicia tanto e com tamanha facilidade? Ainda não se sabe ao certo. Há quem diga que a busca constante de novidades na tela ou nas caixas de e-mail acaba se associando com a produção da dopamina, um neurotransmissor que produz a sensação agradável de recompensa e prazer.

Tenho outra hipótese. A internet é a tecnologia mais neuromórfica que já foi inventada. Ou seja, ela é extremamente parecida com o cérebro humano. Sua arquitetura é parecida com uma imensa rede neural. Esse tipo de rede, utilizado pelos pesquisadores da inteligência artificial a partir dos anos 1980, constitui um intrincado conjunto de conexões entre neurônios artificiais, que são dispostos em camadas. Os neurônios artificiais estão conectados entre si, podendo ser ativados ou inibidos por meio das conexões.


A rede neural funciona como um sistema dinâmico, ou seja, o estímulo inicial espalha excitações e inibições entre os neurônios artificiais. Dado um determinado estímulo, diferentes estados podem ocorrer como consequência de mudanças nas conexões, variando de acordo com a interação do sistema com o meio ambiente e com seus outros estados internos. Outra inovação introduzida pelos conexionistas é sua concepção de memória distribuída. Uma lembrança consiste de vários elementos que estão espalhados numa rede. Quando se invoca um, vários elementos da rede também são invocados, até a lembrança completa se formar.

Sem percebermos, quando navegamos na internet, temos a sensação de estarmos viajando dentro de um grande cérebro humano, uma rede complexa de sinapses ligando os neurônios uns aos outros. Os links, que sempre remetem a outros links em um processo interminável, são organizados da mesma forma que os circuitos do nosso cérebro. Passar de um link para outro e, muitas vezes, até esquecer o motivo original pelo qual entramos na rede acontece com muita frequência. A navegação virtual capta o caráter errático de nosso pensamento, a atenção fragmentada nos vários pontos que compõem nosso fluxo de consciência.

A internet, construída como uma imensa rede neural, é uma gigantesca imitação do cérebro humano. Nada pode ser mais reconfortante do que, ao olharmos para todos os lados, só encontrarmos a nós mesmos no mundo. A internet modificou de forma radical e irreversível o Umwelt humano, ou seja, o mundo exclusivo que construímos ao redor de nós, nosso microambiente com seus significados próprios. Não só a internet é a grande rede com o formato de um cérebro, mas também aqueles que participam dela passaram a ser concebidos da mesma maneira, como se cada um fosse uma espécie de neurônio ligado aos outros de várias maneiras. Tudo e todos se transformaram em uma enorme rede.

Quem fica sentado diante de uma tela por dez ou doze horas por dia acaba perdendo a experiência com o mundo. Quais serão as consequências de ficar atrelado à internet o dia inteiro? Ainda não sabemos, mas talvez possamos adivinhar. Einstein afirmou que “no dia em que a tecnologia ultrapassar a interatividade humana, o mundo terá uma geração de idiotas”.


JOÃO DE FERNANDES TEIXEIRA É PHD PELA UNIVERSITY OF ESSEX (INGLATERRA) E SE PÓS-DOUTOROU COM DANIEL DENNETT NOS ESTADOS UNIDOS. É PROFESSOR TITULAR NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. WWW.FILOSOFIADAMENTE.ORG





                                                                             09/01/2012 às 13:13.

“A geração superficial – O que a internet está fazendo com os nossos cérebros” (Agir, 384 páginas) é o livro que consolidou a posição do jornalista americano Nicholas Carr como principal crítico cultural do mundo digital.

O livro nasceu de um artigo polêmico que Carr publicou em 2008, chamado “O Google está nos deixando burros?”, comentado na época aqui no blog. A tese central é a mesma: ao nos ensinar a ler de outra forma – veloz, horizontal, volúvel, interativa, baseada na satisfação imediata –, a tecnologia digital está reprogramando nossas mentes no nível bioquímico, devido a uma característica do cérebro chamada neuroplasticidade. Em consequência disso, a capacidade da espécie de acompanhar raciocínios longos e mergulhar sem distração na solução de um problema complexo pode estar simplesmente em vias de extinção.

Se a ideia central já constava do artigo de 2008, “A geração superficial” sustenta o pessimismo de seu autor com uma impressionante variedade de informações históricas, científicas, econômicas etc. Consegue manter no ar todos esses malabares sem perder a atenção do leitor – isto é, daquele leitor que ainda for capaz de prestar atenção em um texto com mais de cinco linhas.

Carr não é um luddita, um reacionário. Sabe que voltar ao império da cultura livresca em que vivemos por séculos, com sua leitura linear e sua concentração em uma tarefa mental de cada vez, é impossível. Tanto quanto teria sido, para os contemporâneos de Gutenberg, desinventar a imprensa.

Essa inevitabilidade histórica não o impede de recuar dois passos em busca de uma visão distanciada daquilo que a maioria de nós percebe apenas como vertigem, quando percebe: ao revolucionar profundamente, em poucos anos, o modo como lemos, aprendemos, trabalhamos, nos divertimos, nos relacionamos, consumimos, a cultura digital está mexendo profundamente em… nós mesmos. Estamos ganhando algo, obviamente: ninguém entrou nisso a contragosto. Mas estamos perdendo algo também.
Evidentemente, Nicholas Carr não é o único a pensar assim. À medida que reflui o deslumbramento com as inegáveis maravilhas do mundo digital, tem crescido nos últimos anos a sensação de que a capacidade de concentração é um bem que merece ser preservado a qualquer custo. Há alguns meses, publiquei aqui um artigo chamado “Concentração dividirá o mundo entre senhores e escravos”, que trata justamente disso. Do outro lado do ringue, não faltam também os que abraçam sem reservas todos os impactos psicossociais das novas tecnologias.

Esse debate vai render por muito tempo. É difícil enxergar com clareza os efeitos de uma revolução quando se está no meio dela. O notável livro de Carr tenta fabricar luz na escuridão mantendo um pé no novo ambiente e o outro no velho: o fôlego argumentativo e a qualidade do texto são típicos da era livresca, enquanto a mobilização de informações ecléticas paga tributo ao jeito Google de absorver o mundo.

É o Google, aliás, o personagem principal daquele que me pareceu o mais luminoso argumento de Carr – e também o mais assustador. Trata-se de uma analogia simples entre as ideias de Frederick Winslow Taylor, engenheiro industrial do século 19 responsável pela criação do método de repetição mecânica de tarefas que viria a dar na linha de montagem de Henry Ford, e a filosofia de processamento de informações que norteia a mais bem sucedida empresa da era digital. Como um operário cuja única função é apertar determinado parafuso, o bom internauta tem a função de clicar, quanto mais depressa melhor, e manter a máquina girando. Parar para pensar não é só um luxo: é contraproducente.

E ainda nem falamos de como fica a velha literatura nesse quadro. Quarta-feira eu continuo.